Foto: Arquivo do Blog (Reportagem do SBT - Pa sobre Abaetetuba)
Tráfico e prostituição dominam Abaeté
“O LIBERAL” Edição de 11/09/2011 - JUVENTUDE
Conselheiros tutelares atendem até 100 denúncias a cada mês
EVANDRO FLEXA JR. (Da Redação)
Sete a cada dez adolescentes estão envolvidos com tráfico de drogas e prostituição na zona periférica de Abaetetuba - município paraense localizado na região do Baixo Tocantins, a 90 quilômetros da capital. De acordo com levantamentos do Conselho Tutelar local, são feitos, em média, 100 atendimentos mensais, envolvendo crianças e adolescentes vítimas de entorpecentes e prostituição infantil. Após as 18 horas, é possível constatar, em vários pontos da cidade, a série de mazelas que inviabilizam o futuro de milhares de jovens. Sucateada, e sem qualquer infraestrutura, a rede social que deveria cuidar dos direitos destes adolescentes sucumbiu à falta de condições de trabalho, mas, ainda assim, os conselheiros tutelares agem no fio da navalha de uma política pública falida e na mira dos traficantes, ameaçados e sem nenhuma segurança.
No último mês de julho, mais de 20 casos de abuso sexual contra menores foram protocolados no Conselho Tutelar de Abaetetuba. Este aumento, segundo explica a conselheira tutelar Tatiana Rodrigues, se deu por causa do avanço do tráfico de drogas na região, que desencadeia uma série de outros problemas para as famílias abaetetubenses. "As próprias comunidades, que vêem estes meninos crescerem, denunciam. Em algumas situações, os familiares também entram em contato conosco, por não agüentarem mais os atos violentos", relata, ao lembrar que os adolescentes envolvidos com as drogas são frutos de famílias desestruturadas, nem sempre de baixa condição financeira.
A conselheira tutelar diz que as drogas amarram as jovens à prostituição. "Na maioria dos casos em que as meninas se prostituem, os ganhos servem para alimentar o vício. Temos ocorrências de garotas que só se prostituem para financiar as drogas", diz ela. Como as adolescentes se tornam viciadas, passam a fazer parte de uma rede que envolve agenciadores, aliciadores e traficantes. "Os resultados são catastróficos, pois a todo instante os usuários estão assaltando pessoas e lojas para garantir o vício. Eles nunca estão sós. Há sempre alguém mais experiente por trás", diz.
Os aliciadores são, normalmente, caminhoneiros, políticos e pessoas influentes da cidade. Já os agentes que prostituem as meninas, em boa parte dos casos, são familiares, como a própria mãe. "Com o consentimento materno, elas se tornam a ‘fonte de renda’ da família. Desde cedo, encontram no sexo uma forma de sustentar a casa, de dar comida aos irmãos mais novos", conta. Tatiana destaca ainda que, em outros casos, estas garotas são agenciadas por homossexuais e prostitutas veteranas. "São crianças colocadas à beira da estrada, para servir caminhoneiros. Não há uma fiscalização por parte dos órgãos competentes, para evitar que isso continue. E o Conselho, ameaçado e impotente, precisa do apoio militar para dar seguimento nesta batalha travada contra a criminalidade", ressalta.
O conselheiro tutelar Daniel Ferreira sugere, por exemplo, que a fiscalização da Polícia Rodoviária Estadual (PRE) vá além da mera formalidade burocrática. "A Polícia Rodoviária (Estadual) está mais preocupada com documentação do veículo do que com a vida que pode estar escondida dentro destes caminhões. É preciso revistar tudo", adverte. De acordo com Ferreira, no quilômetro 14 da rodovia Moura Carvalho, caminhoneiros costumam estacionar os veículos à noite para que as meninas possam embarcar na boleia. "Todos os caminhões de aliciadores passam com menores pela Polícia Rodoviária (Estadual). A abordagem, quando é feita, não é completa. Parece um jogo de cumplicidade", diz ele.
PONTOS
As adolescentes aliciadas, durante o dia, são escondidas nas comunidades ao longo da PA-150, rodovia que interliga Abaetetuba ao município de Xinguara. O perímetro é chamado de Colônia Nova - um local bastante populoso, de casas simples, formado por 49 vilarejos. Para chegar às vilas é preciso percorrer ramais de piçarreira extensos, de difícil acesso, cercados por matagais. Meninas de todo o Estado, inclusive de Belém, de bairros como Bengui e Guamá, são levadas por agenciadores para as colônias, com a promessa de uma vida nova e um futuro promissor. Às margens da rodovia, ainda no quilômetro 14, há uma grande quantidade de bares, próximos entre si, prontos para receber os viajantes. Grande parte das denúncias apresentadas ao Conselho Tutelar são dirigidas contra esses bares.
Na zona urbana, os pontos de concentração de adolescentes envolvidos com prostituição e drogas são bares, postos de gasolina e, principalmente, o espaço portuário e entorno. Conforme explica o conselheiro Daniel Ferreira, a Prefeitura de Abaetetuba disponibiliza apenas uma Kombi para atender às três zonas do município: urbana, rural nas estradas e rural nas ilhas. "O Conselho Tutelar é visto pelo poder público como ônus, pois, diferente de outros órgãos da esfera municipal, não gera recursos, apenas despesas", afirma, enfatizando a importância de se ter um transporte fluvial para atender as 72 ilhas que compõem Abaetetuba. Com a dificuldade de infraestrutura, Ferreira afirma que não consegue acompanhar os casos como exige o Estatuto da Criança e do Adolescente.
CASOS
Longe da escola e viciado em drogas, o jovem A.C.G., 17 anos, preteriu a casa da família para morar nas ruas. Mãe do adolescente, a doméstica vive esse drama há dois anos - e parece que nunca vai acabar. "Eu sempre precisei trabalhar fora, já que criava um casal de filhos, sozinha. E assim, o menino utilizou a liberdade e o espaço que dei para entrar no mundo das drogas, ao invés de se dedicar aos estudos, como faz a irmã dele", lamenta ela, obrigada a sair de casa por causa dos atos violentos do filho, que mudou muito por causa do vício. "Hoje moro com a minha sobrinha, e pouco vejo meu filho. Tenho muito medo que ele seja morto, já que volta e meia tem complicações com os traficantes", conta.
Do bairro do Mutirão - um dos mais pobres de Abaetetuba - saiu A.S.G., uma jovem de 17 anos que sonhava em ser atendente. Após diversos problemas envolvendo drogas e prostituição, ela foi encaminhada, pela própria família, para a casa de uma tia, na região das ilhas, totalmente isolada do meio urbano. Com dois filhos, ela usava entorpecentes na frente dos filhos e por isso o Conselho Tutelar tentou tirar a guarda das crianças da adolescente. "Foi então que percebi que precisava mudar. Estava a ponto de perder aquilo que tenho de mais precioso, que é a companhia dos meus filhos. Eles são minha fonte de energia", diz a jovem, há quatro meses sem consumir nenhum tipo de droga, e pretende, em breve, deixar a ilha de Acarajó para arrumar um emprego. "Minha meta, agora, é trabalhar, conseguir um emprego, e comprar as coisas que meus filhos precisam. Vou começar uma vida nova, em busca de um futuro melhor", promete.
http://www.orm.com.br/oliberal/interna/default.asp?modulo=247&codigo=552512